"Estamos Juntos" tenta ser um ensaio sobre a vida na cidade grande





















Em dado momento da projeção de Estamos Juntos, dois personagens estão refletindo sentados no topo de um prédio quando um deles diz:

- Eu acho que o céu de São Paulo é o inverso. Para ver as estrelas, você tem que olhar de cima para baixo.

Esse momento lírico, que nos traz as dúvidas e incertezas de personagens esmagados pela realidade da cidade grande, logo é substituído pela volta de uma trama que a todo o momento se opõe à narrativa que o filme tenta desenvolver.

Escrito por Hilton Lacerda, o longa conta a história de Carmen (Leandra Leal), uma médica que mora na cidade de São Paulo. O melhor amigo de Carmen é Murilo (Cauã Reymond), que é apaixonado pelo argentino Juan (Nazareno Casero, a revelação do filme). Quando Carmen subitamente se vê envolvida em um triângulo amoroso, ocorre uma situação inesperada que a faz repensar a vida.

As pequenas coisas (a cena do prédio) se perdem nos grandes temas que o filme tenta enfocar, mas que não o faz satisfatoriamente já que a narrativa não une elementos como pobreza e riqueza, a relação médico e paciente, amizade e solidão. Em vez disso, o filme se perde na brecha entre expectativa e resultado.

Entre a visão cinzenta dos prédios de São Paulo, o filme caminha entre a opressão e a angústia de uma médica cheia de sonhos. Alternando planos amplos de imagens aéreas da cidade com closes fechados do rosto dos personagens, Estamos Juntos é uma tentativa frustrada de um ensaio sobre a melancolia típica das grandes cidades, onde, por mais que estejamos rodeados por milhões de pessoas, estamos, na verdade, sozinhos.

"Dulce Guerrilheira" no SESC TV

O curta-documentário Dulce Guerrilheira está no catálogo do projeto Curta Doc e em breve integrará o catálogo do SESC TV.

O filme, que conta a história de Dulce Maia, uma das mulheres que combateram a ditadura militar, pode ser assistido pela internet pelo site:

http://www.curtadoc.tv/curta/index.php?id=986

Implosão

Eu aprendi a ter vergonha.
Eu aprendi a calar a boca, a olhar pra baixo e andar torto, por causa de um joelho dolorido, um pouco torto, meio manco, tipo um pinguim.
Eu aprendi a baixar os olhos e, ainda assim, olhar para os lados. E a ver a gente. Ver o velho senhor idoso, sentado no metrô com uma sacola de compras. Ou a jovem mãe japonesa, que nem fala português direito, com o filhinho no colo não querer sentar porque vai descer na próxima estação.

Eu aprendi sobre os jovens de hoje. Que muitos não estão por aí só pela putaria. Que muitos, não sei se a minoria, mas isso nem importa tanto, que muitos não se importam só em fazer muito sexo ou ficar loucos com álcool e/ou outras substâncias.
Eu aprendi que tem gente que já teve histórico negativo de traição e que trai mesmo assim. E aprendi que tem gente que não trai, que tem gente que acredita e, se acredita é em alguma coisa.

Eu aprendi que tem gente que gosta de beijar homens e beijar mulheres e às vezes os dois ao mesmo tempo, mas que abre mão de tudo isso por um amor verdadeiro.

Eu aprendi que a vida é feita de pontos altos e baixos, só que o ponto alto demora muito mais, enquanto que, para chegar ao ponto baixo, precisa de pouca coisa, às vezes minutos, segundos ou apenas um instante.

Eu aprendi a ser exilado. Exilado em mim mesmo. E foi assim que eu aprendi, mas só aprendi porque foi comigo mesmo, que todo mundo precisa de uma segunda oportunidade e que, talvez, as pessoas sejam muito, muito melhores depois que ela acontece.

Se acontece. Porque eu aprendi que tem muita gente que não tem outra chance.

Eu aprendi a não conseguir rir mais.

Aprendi a fazer uma cara tão amargurada, que eu até me assusto quando me olho no espelho. E daí eu rio, mas não mais do que dois segundos.

Aprendi que você tem sempre que fazer alguma coisa, nem que esta coisa seja comprar uma passagem para um lugar qualquer do mapa para tentar recomeçar. Tudo, tudo mesmo, amigos, equipes de trabalho, uma vida nova.

Aprendi que para isso é preciso ter coragem. Ou ser covarde.

Aprendi que existem certos sentimentos. E que a chuva e água da chuva limpam e podem revigorar o ânimo das pessoas. Mas aprendi, também, que há certos casos em que nem um dilúvio, junto com um mergulho em alto mar, somado a todo o vento dos furacões, mais trovões e trovoadas com proporções atômicas, conseguem tirar uma coisa que está lá dentro, bem no fundo. Talvez tão lá no fundo que já nem se pode notar que tem alguma coisa ali, porque é muito semelhante com o vazio.

Aprendi que as estrelas podem fazer companhias, mas que também podem nos deixar solitários. Depende da perspectiva. E, assim, eu aprendi que tudo depende de como você olha, mas que o olhar não depende só de você.

Um rosto na multidão























originalmente publicado em
http://objethos.wordpress.com/



Quando a jornalista Marcia Jeffries (Patricia Neal), foi a um presídio, nos idos dos anos 50, ela esperava achar um ou outro personagem curioso que interessasse ao programa de rádio “Um rosto na multidão”. Ali, ela encontra Larry “Lonesome” Rhodes (Andy Griffith), um encrenqueiro e ex-presidiário alcoólatra que fará sucesso com suas músicas no violão e com o estilo stand-up comedy de falar ao público.

Em seguida, Lonesome Rhodes ganha um programa próprio na principal rádio da cidade (fictícia) de Pickett, no estado norte-americano do Arkansas. Não passará muito tempo até que ele seja contratado por emissoras de televisão de outros estados, até chegar a Nova York, onde ele terá a oportunidade de ser visto e ouvido por quase todo o país.

Um rosto na multidão é baseado no conto The Arkansas Traveler, cujo escritor, Budd Schulberg, é também roteirista do filme. O projeto foi a oportunidade que o diretor Elia Kazan (Uma rua chamada pecado; A Luz é para Todos; Viva Zapata!) encontrou para refletir sobre a época em que o rádio estava sendo substituído pela televisão como meio de entretenimento.

Assim, acompanhamos a transformação por que passa o personagem de Lonesome Rhodes, que vai de queridinho da cidade pequena a grande apresentador de televisão de uma metrópole.

Rhodes conquista os ouvintes e os primeiros telespectadores exibindo um jeito simples de ser e de tratar as pessoas, um sujeito caipira sincero que se recusa a anunciar os comerciais dos patrocinadores – “esses comerciais… minha boca se recusa a dizê-los” – e que consegue arrecadar dinheiro para uma pobre desabrigada ou para um garoto de cadeira de rodas.

Mas tudo se modifica quando ele chega em Nova York para apresentar um programa de ampla divulgação. Sabemos que Lonesome Rhodes já não é mais o mesmo quando ele anuncia, com estardalhaço, o produto dos patrocinadores – as pílulas de suplemento alimentar Vitajex. Daí, só mais alguns passos até que o caipira simpático se transforme em um magnata inescrupuloso, chegando a chamar de “ovelhas que fazem tudo o que eu mandar” àqueles que o assistem.

Obcecado pelo Ibope e pelo prestígio, Lonesome Rhodes não enxerga mais nada a não ser a fama e o glamour que a TV, instrumento de persuasão da massa, segundo um dos produtores do programa, lhe trouxe. Repare nas cenas em que ele está fora do ar: todas as conversas giram em torno do aumento do número de telespectadores. O resultado é previsível e imortalizado na cena em que o ex-presidiário desce do elevador junto com a audiência do programa.

Alguns personagens da trama foram baseados em pessoas reais, como em Tennessee Ernie Ford, que, a partir de uma canção, conseguiu um programa semanal na rede NBC. Ou, ainda, em Arthur Godfrey, astro da CBS que costumava não anunciar produtos os quais não acreditava.

Na época do lançamento, em 1957, “Um rosto na multidão” foi timidamente recebido pelo público e pela crítica. Do culto ao apresentador ao poder que as pessoas delegam a alguém que fala atrás de uma tela. Da falta de memória do público à espera do próximo fenômeno da televisão. À luz dos tempos, analisando a obra cinquenta e dois anos depois, a impressão é de que o assunto ainda é assustadoramente relevante e atual.

FICHA TÉCNICA
Título original: A face in the crowd

1957, EUA
Com Andy Griffith, Patrícia Neal, Anthony Franciosa, Walter Matthau
125 minutos
Direção: Elia Kazan
Roteiro: Budd Schulberg
Produção: Elia Kazan
Direção de Arte: Richard Sylbert e Paul Sylbert
Edição: Gene Milford

(Fonte: IMDB)

Iracema, uma transa amazônica





















Em 1974, Jorge Bodansky, Orlando Senna e Wolf Gauer desenvolveram uma experiência radical de hibridização entre o registro ficcional e não-ficcional. A idéia surgiu quando Bodansky, que era fotógrafo da Realidade, a revista de reportagens especiais da editora Abril nos anos 60, esteve na rodovia Belém-Brasília. Ali, ele testemunhou a movimentação de caminhões, bem como as queimadas, o desmatamento, a miséria e a prostituição infantil.

Observando o cotidiano que se engendrava naquele ambiente, ele decidiu retratar a população local, com imagens do dia-a-dia, em paralelo com o caminho do motorista Tião Brasil Grande (Paulo César Peréio) e da jovem Iracema.

No contexto da ditadura do governo Médici (1969-74), a construção da BR-230 era um dos carros-chefe do desenvolvimentismo que a nação – “Brasil Grande” - elaborava de acordo com as diretrizes do chamado Milagre Econômico. Assim, o personagem do caminhoneiro Tião é perpassado de ironia a todo o momento. Ironia essa que custaria caro para o projeto. Produzido para uma televisão alemã, os militares utilizariam esse argumento para censurar Iracema que, como produção estrangeira, não representava o Brasil nem os brasileiros. O filme só foi liberado em 1981.

Com o compromisso social de fazer do cinema uma denúncia, revelação e interpretação das mazelas do país, Jorge Bodansky, Orlando Senna e Wolf Gauer expõem situações de violência, exploração e dominação de classe, em uma Amazônia nada familiar.

Se o filme contribui para complexificar a realidade e as informações que temos sobre o norte do país, é a Tião Brasil Grande que devemos essa provocação. Como espécie de anti-herói, o personagem de Pereio é um provocador que toma atitudes condenáveis pela insensibilidade de não enxergar a humanidade nos outros. Para ele, tudo se trata de “ser esperto” e “saber se virar” e é desse jeito que ele se transforma em imagem metafórica do Brasil, que expande suas fronteiras mas explora, degrada e humilha nesse meio tempo. Com Iracema, a realidade bate à porta. Nada de imagens agradáveis, bonitas e triunfalistas sobre a Amazônia. É hora de ver a poeira provocada pelos caminhões que embaçam a visão e poluem o ambiente com fumaça escura. É hora de ouvir a serra elétrica que corta as árvores sem lei, ordem ou consciência ambiental. É hora de ver a índia prostituta, pobre, desdentada e suja. É hora de ver.

Notas - "Na pior em Paris e Londres"












"Quando você se aproxima da pobreza, faz uma descoberta que supera algumas outras (...). E há outro sentimento que serve de grande consolo na pobreza. Acredito que todos que ficaram duros já o experimentaram. É um sentimento de alívio, quase de prazer, de você saber que está, genuinamente na pior. Tantas vezes você falou sobre entrar pelo cano - e, bem, aqui está o cano, você entrou nele e é capaz de aguentar."

George Orwell, pseudônimo de Erich Arhtur Blair, nasceu em 1903 na Índia. Depois de trabalhar como policial do Império Britânico na Birmânia, ele decidiu investigar o modo de ser da população que vivem à margem da sociedade. Quis viver como um pobre. Em primeira pessoa, o escritor relata seu caminho por Londres e Paris, onde passou fome por dias antes de conseguir um trabalho como lavador de pratos em um hotel.

Em suas reflexões, o escritor que se tornaria célebre por 1984 e A Revolução dos Bichos, fala sobre o que poderia ser feito em relação aos mendigos. Sugerindo que os albergues tivessem um esquema em que os mendigos pudessem trabalhar para se sustentarem, algo como uma horta de onde tirar alimento, o autor admite a inutilidade da vida de um vagabundo, mas se esforça para pensar possibilidades de melhorá-la. Os albergues, assim, não seriam auto-suficientes, "mas poderiam percorrer um bom caminho nessa direção e, a longo prazo, os impostos provavelmente se beneficiariam disso. No sistema atual dos anos 30 - que se estende aos dias de hoje - o mendigo é considerado peso morto e vivem em uma dieta que acaba por destruir a saúde.

Trata-se de um plano para fazer com que vidas humanas - estigmatizadas por preconceitos como "todo mendigo é bêbado", "descarados parasitas sociais", "perigosos" - sejam vividas de modo mais descente e digno, "melhorando a condição dos mendigos sem impor mais ônus às localidades".

A gênese do Jornalismo













O professor português Jorge Pedro Souza (Universidade Fernando Pessoa e Centro de Investigação, Media e Jornalismo) esteve na UFSC no início do mês para ministrar uma oficina sobre História do Jornalismo.

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A transmissão de informações é uma de sobrevivênvia, uma vez que a troca de informações foi vital à evolução do ser humano. Há três vertentes acerca do fenômeno jornalístico:

1) Existe desde a antiguidade porque desde ali existem dispositivos e meios para a troca regular e organizada de informações.

2) É uma invenção da Modernidade, estando ligado à aparição da tipografia e ao surgimento, expansão e aquisição de periodicidade da impensa na Europa, embora tenha como antecedente imediato as folhas noticiosas volantes, manuscritos e impressos que surgiram entre a Baixa Idade Média e o Renascimento. As condições técnicas são vistas, aqui, como essenciais para o surgimento de Jornalismo.

3) Nasce no século XIX devido ao aparecimento de dispositivos técnicos (impressoras e rotativas), que permitiram a massificação do jornais, além da invenção de dispostivos auxiliares que facilitavam a transmissão de informação à distância (telégrafo e cabos submarinos) e máquinas fotográficas. Assim, criam-se as agências noticiosas internacionais.

São três posições que não se excluem. Jorge Pedro Souza, no entanto, defende a tese da origem sócio-cultuiral do jornalismo, afirmando que sua gênese provém da Antiguidade. É assim que ele explica que ao longo dos tempos, fixam-se as formas de transmitir notícias contando história, que se iniciam nos contributos da retórica clássica greco-romana: quem, quando, como, o que, onde, porquê.

Outra contribuição ao jornalismo vem da literatura clássica, no jeito de contar a história antecipando o final, hierarquizando informações. Daí o que conhecemos como lead, o primeiro parágrafo da notícia.

Entre outras contribuições, temos a narrativa cronológica, a historiografia, intenções de verdade (tipo de relato que se vincula aquele que aconteceu, factualidade e explicações humanas para ações humanas), as efemérides (registros de acontecimentos relevantes difundidos por toda a Grécia), as crônicas e registros históricos e geográficos, os relatos de viagem.

Tentando responder a pergunta "Por que as notícias são como são?", o professor conta que desde a Antiguidade que se contam novidades ao público. A informação estaria ligada à sobrevivência no que diz respeito à preservação da memória e cultura, que originou relatos geográficos e historiográficos, orais e escritos, que se dividiam em duas partes: os míticos e os não míticos. Estes, por sua vez, geraram a forma das notícias.