Quinta roxa

Naquela quinta-feira, o florista não veio e ela não recebeu as flores roxas que costumava receber. Ela ficou meio balançada e bem triste. A depressão bateu forte, mas ela foi mais forte ainda para agüentar. Tinha de esperar pela próxima semana.

Na outra quinta-feira, o florista também não veio. A depressão cresceu, a cabeça rodou e ela caiu no chão.

Na próxima quinta-feira, a mesma coisa. Dessa vez o apetite faltou, e ela começou com os remédios antidepressivos.

Na última quinta-feira do mês, ela não podia mais suportar a situação. Os remédios aumentaram, ela ficou três dias sem comer e foi internada no domingo.

No leito do hospital, seu melhor amigo veio fazer uma visita. Depois de tanto drama, ele, que estava drogado, concordou com a eutanásia. “Pra que viver se o amor não existe, se ele me abandonou, o jeito é eu encontrar Deus”, dizia ela, segurando frouxamente o braço do amigo gay. “Faz isso, por favor, senão eu mesma faço”.

- Então faça.
- Não, por favor. Você tem que me entender.

E ele fez. Tirou o gancho do soro e deixou-a falecer por um amor não correspondido.

Na quinta-feira seguinte, o florista apareceu com todas as flores juntas. Ele caiu doente, de uma enfermidade desconhecida pelos médicos da cidade, e não pôde entregar as flores e nem delegar ninguém para isso.

Quando soube do ocorrido, ele foi direto levar o mês de flores acumuladas para o cemitério. Não havia mais nada que ele podia fazer a não ser despejar as pequenas flores roxas no caixão da menina, naquela quinta-feira cinzenta.
Quando ele colocou a câmera na frente do sujeito, um único pensamento: é bem isso o que eu queria fazer.

O homem defronte não esboça sorriso. Dá uma leve coçadinha na ponta do nariz antes de ficar mirando fixamente o cineasta e seu aparato fílmico. A sala, bem iluminada, carrega a atmosfera de um ambiente alegre, porém tenso. Os dois estão na ponta direita do lugar, esperando para começar a entrevista.

- Pode falar. – diz o cineasta.
O outro começa o relato emocionado, mas antes da emoção propriamente dita, se passam três horas de gravação, com três pausas para trocar de fita.

“Era bem isso o que eu queria fazer”, pensa o cineasta. E é só isso o que lhe vem à mente.

***

Eu já não entendo de morte, de vida, de prosa ou poesia.
Eu não quero a aceleração dos carros, dos ônibus, do metrô. Vida acelerada é sinônimo de quê? De que dá pra assobiar e chupar cana ao mesmo tempo. E dá? Tem gente que consegue jogar baralho, mexer no computador, ler um livro e acariciar o gato. Tudo ao mesmo tempo.

Sei... Sei lá.

***

A câmera fazia o barulhinho habitual e a loira não tirava os olhos dos óculos de Ronaldo. Ela gostava de se ver, gostava de ser vista, apreciada, mirada, filmada. A loira dos saltos vermelhos não tinha muito pra falar. Ela se embananava toda, ia e vinha, saía e voltava. Que raiva!

Não sei o que tou fazendo, nem onde tô indo. Sei que tô... Sei que tô indo...

Learning...

"I believe that if you go deep enough into characters they become so real that their stories feel like make-believe. They feel like fiction. I want to evoke the fictional current that flows beneath the stream of reality." (Gay Talese)