Rocio

Ele chega à avenida e faz sinal para o primeiro táxi que vê. O carro amarelo pára e ele entra, sem dar muita importância para a mulher loira, de cabelos bem lisos, que está sentada ao lado do taxista.

- Pode me levar ao Museu da Indústria?
- Sim, claro. Da onde você é? – pergunta o taxista
- De Brasil.

“Ah, olha só”, ele diz, virando-se à mulher ao lado. “Você sabe que os brasileiros têm pica grande, né?”. Ao que a mulher responde: “O quêêe? É verdade?”

Ele crê que está louco. Só pode. Não deve ter entendido direito. Pica grande? Que história é essa? Quando a mulher se vira e o encara nos olhos, seu sangue parece esvair-se do corpo. Percebe que não era uma mulher. Era um travesti, com maquiagem bem contornada nos olhos. Mas ele não a olhou nos olhos, porque os olhos dela estavam virados para as calças dele.

- É verdade isso que ele falou?
- Ih, eu não sei! – respondeu ele, tentando aparentar naturalidade.

O travesti virou novamente para a frente e disse: “ai, assim eu fico loucaaaa!”.
O taxista começou a contar de uma balada brasileira que fica justamente lá no Museu da Industria. “Você vai gostar de lá”, disse à acompanhante, dando um tapa forte com a parte de fora da mão no peito dela.

Ela nem ligou. Voltou atrás e continuou mirando-o. Ele, sem saber o que fazer, e tentando não encontrar o olhar dela, buscou mudar de assunto:

- Mas vocês conhecem o Brasil?
- Não, não conheço. Mas ficaria louca para conhecer. Ainda mais agora. Você já teve alguma relação homossexual?
- Não.
- Ai, mas você é virgem?
- Ai, pára! Você vai envergonhar o menino – disse o taxista. Em seguida, perguntou à ela – Você é virgem da parte de trás, não é?
- Ai......

Ele, do banco de trás, não pôde entender o que ela respondeu. Estava surpreso com o caminho deserto pelo qual estavam indo, umas ruas que nunca vira. Mil pensamentos passaram por sua cabeça. Não sabia onde tinha se metido. “O que será que esses dois vão fazer? Eles podem parar em um mato e tentar me estuprar. E o que eu faço agora? Merda! Anoto a placa do veículo. Sem dúvida. Já devia ter feito. Que merda pegar táxi com gente acompanhada. Juro que não faço mais isso”.

O susto veio de novo e o sangue pareceu gelar pela segunda vez em menos de dez minutos. O travesti, perguntando se no Brasil existiam muitos travestis, estava mexendo no porta-luvas. O que seria? Uma arma? Era agora que o obrigariam a tirar a roupa? “Filhos da puta”, pensou. “Que porra é essa”?

Ela tirou uma camisinha e entregou a ele, que não pegou o “presente”.

- Ai, vai! Veste aí – pediu ela.

Ele não fez nada a não ser dar uma risada nervosa.

- Ah, deixa disso! Se liga – disse o taxista, salvando-o do sufoco.

Finalmente chegaram ao Museu da Indústria. O taxímetro marcava pouco mais seis pesos. Ele deu o dinheiro e ansiava por sair do carro. Abriu a porta e ouviu:

- Ei, peraí!

Olhou para o travesti loiro, que chegou mais perto e lhe entregou um papel:

- Olha, para qualquer coisa que você precisar.

Ali havia um número de telefone e um nome, escrito de caneta azul piscina:

156360322
Rocio

- Tá, tá! Pode deixar.

E saiu do táxi amarelo sem olhar para trás. Só virou quando ouviu o carro arrancar pela rua.
Pôde, então, respirar aliviado.

Édipo e a ignorância

Édipo é o rei desesperado para colocar ordem em seu reino, Tebas, que passa por muitos problemas. Ele recebe do oráculo de Delfos a ordem de purificar a terra da “mancha que ela mantém”, ou seja, “expulsar o culpado, ou punir, com a morte, o assassino do antigo rei, pois o sangue maculou a cidade”. Buscando o tal culpado, cuja morte ou expulsão livrarão a cidade dos infortúnios por que passa, Édipo lança diversas maldições e investiga, até encontrar, aquele acusado pelos deuses.
Édipo cego: a vergonha do que descobriu ter feito e a punição

Em seu caminho, muitos tentam impedi-lo, inclusive sua mulher, a rainha Jocasta:

Pelas divindades imortais! Se tens amor a tua vida, abandona essa preocupação. (À parte) Já é bastante o que eu sei para me torturar! Não importa! Escuta-me! Eu te suplico! Não insistas nessa indagação!

Neste exato momento ele tem em mãos um delicado juízo: ficar na ignorância de não saber a verdade e continuar no governo ou conhecer a verdade e surpreender-se com ela a ponto de arrancar os próprios olhos e exilar-se de Tebas para que o reino volte a prosperar, agora nas mãos de outro rei.

Ele escolhe a segunda opção. E quantas vezes também já tivemos nas mãos a opção de descobrir, de conhecer, mesmo que isso possa nos levar à infelicidade, nos causar tristeza ou mesmo nos destruir? Curioso. Você preferiria a ignorância? Ou talvez a palavra seja curiosidade? Como o personagem de Cypher, em Matrix (1999), que morde uma picanha suculenta mesmo sabendo que ela, na verdade, não existe: “a ignorância é saborosa”, diz. Será mesmo?