.Apenas o fim.

























O sentimento é de desolação. Assistir a .Apenas o fim. provoca na gente uma coisa estranha, um estômago que desvira ou alguma força maior que nos deixa reflexivos, olhando automaticamente para o chão, a cabeça baixa e os passos contados um a um até o destino final. Isso graças ao roteiro e à condução da história, que, escrita e dirigida por Matheus Souza, faz com que uma hora e vinte minutos de projeção passem em um dia – o último – na vida de um casal universitário.

O status quo de Ele(Gregório Duviver), será abalado profundamente quando Ela (Érika Mader), depois de quatro meses de namoro, chega um dia dizendo que vai fugir e que só tem uma hora para o último encontro do casal. Ela quer mudar tudo, não está satisfeita com o que vive, se julga estranha, e não espera encontrar a felicidade no lugar para onde vai. Assim mesmo ela quer ir. Ele acha que isso é covardia. São um casal estranho, ele com os óculos do avô e camisetas do Star Wars, ela com uma beleza delineada pelas roupas de verão. Ele com o all-star verde. Ela, com o vermelho.

Durante toda a projeção acompanhamos os diálogos deles durante essa uma hora. Entre as cenas, vemos momentos mais íntimos do casal, passados na casa dele, entre leituras da revista Bravo! e controles de playstation. Ele é da Sony. Ela, da Nintendo.

A presença dos atores é fundamental para segurar o espectador na cadeira da sala de cinema. E, aqui, o roteiro favorece o lado de Ele. Ela é pontuada como a causadora de intriga, uma vez que vai abandonar o relacionamento aparentemente feliz (mesmo com Ela dizendo o contrário, vemos em memórias, olhares e na lágrima escorrida que ela nem sempre diz a verdade e que, provavelmente, a fuga tenha outras causas que desconhecemos). Ele quer mantê-la junta, mas não o faz de modo dramático. Pelo contrário, quando chorar é inevitável, ele se tranca no banheiro. Ele em preto e branco. Ela, em cores.

Entremeados por tomadas, atuações e falas metalingustica - interessantes, mas não necessariamente marcantes quanto as tiradas de referência pop de uma geração que nasceu no fim dos anos 80-, o filme faz com que nos apaixonemos pelo casal, desejando realmente que terminem juntos, no tradicional happy end que, ausente da narrativa, nos deixará inquietos e nos fará pensar no filme por horas e horas. Em momentos, se deseja o clichê e já batido desenrolar dos fatos a ter que suportar uma separação brusca, cuja explicação não nos esclarece em nenhum momento. Por que eles têm de se separar se está claro que foram feitos um para o outro? A morte cinematográfica não vem, nem a explosão do carro que separaria o espírito de um e a carne de outro, à estilo de Ghost, citado por um dos personagens. Ele fala de amor. Ela acha que é clichê. Ele acha clichê falar que falar de amor é clichê. Ele tem as melhores tiradas. Ela, tira das melhores tiradas dele.

Aí vem a desolação, que chega de mansinho e se instala quando sobem os créditos. Aí não tem mais jeito. Tudo é rápido, seco e sem volta. Ele não consegue evitar. Só pede o direito de vê-la partir, indo embora de costas. Ela lhe dá um pacotinho cujo conteúdo ficará restrito eternamente ao casal. E o filme chega ao ápice, na conclusão que aprendemos, mas que nosso coração insiste em não aceitar facilmente. Isto é só o fim. As pessoas tendem a achar que o fim é grande, épico, um drama hollywoodiano. Mas o fim é o fim. Um ponto final. “Ou você achou que seria para sempre?”, ela questiona. O que importa realmente, o que fica – ou deveria ficar –, é tudo o que vivemos junto ao outro, os momentos felizes, os nem tanto assim, as alegrias, risos e memórias, toda a vida que passou e foi bem vivida. Eles foram felizes, viveram momentos felizes, mas agora é o fim. Apenas o fim. Para ele e para ela.

11 momentos

1º momento – a chegada tensa, ela é direta:
- O que você quer falar comigo?

2º momento – o silêncio; afasta, volta, carinhos burocráticos.

3º momento – não sei, sai da sala, vai pro quarto.

4º momento – abraçados, de lado, na cama, os óculos longe, ele pega e os põe juntos. Um, vermelho, virado de ponta cabela; o outro, do lado certo. Opostos e juntos. Desfoque.

5º momento – a discussão comportada, discordam, ele afasta os óculos de novo, ela não percebe.

6º momento – (na verdade antes do 5º) – ele chora, entende ou começa a entender o ciclo vicioso. Ela diz: a merda é que eu te conheço; como assim?; ... ; fala! ; eu sei que você vai preferir a amizade; ... ; ...; ...; a merda é que é também por isso que eu gosto de ti. – Ele chora ainda mais.

7º momento – ela reclama do “tsc” que ele faz com frequencia, ele imagina (ou conclui, como preferir) que faz parte de um filme. Um filme clichê – ela diz. Porque tem sempre que vencer os maus, as adversidades, o casal; mas não, ele imagina que está dentro de um filme, com alguém que o controla (ele não sabe bem quem), um títere, um personagens cujas ações já se sabe de antemão, o ciclo. Ela sabe.

8º momento – o sexo fragmentado e rápido. São quase 14h.

9º momento – o abraço de lado de novo, a conversa; ele pede um tempo precisa de um tempo, logo ela (e ele) vai dizer (ou pensar em dizer): clichê!

10º momento – ele fala uma coisa, “tsc” (lembrando depois que ela não gosta); desculpa-se, fala uma coisa, mas logo se lembra de que ela não vai gostar; palavra inapropriada; ele corrije rápido, muda de palavra, imediatamente se lembrando de que faz parte de um filme em que o roteirista riscou a palavra que ele tinha dito. Desfoque.

11º momento – tudo fica igual (houve mudança), ou seja, nada muito definido, mas aquilo não lhe sai da cabeça, de que é personagem dentro do filme, alguém manda, ele lembra depois que lá entre o 7º e o 8º momentos, ela mudou de tom, ficou meio séria sobre a história do filme, dizendo que era ele quem escolhia, ele quem fazia o filme e que as opções seriam clichês devido unicamente às escolhas dele (“coloca e fecha numa caixinha e abre só na primavera”, palavras dela), mas ela não o enganaria, ele está mesmo num filme, títere, alguém tá dirigindo, o Grande Enunciador, ele diz, e sai andando e pensando, justamente pensando que tudo passa e todo pensamento não são propriamente dele, mas propriedade do Enunciador; aí ele tem o insight brilhante de se rebelar, bolar um jeito de se voltar contra o Big Boss e tenta pensar em algo, alguma coisa para recuperar, se é que ele teve um dia, a liberdade; daí ele pensa que tudo, mesmo o pensamento rebelde, é propriedade do Enunciador e continua pensando sobre isso enquanto enquadra com os olhos os próprios pés andando na rua e imagina que aqueles passos não são fruto de sua própria vontade. Desfoque.

O metrossexual, o coração e a pelúcia

Era impossível para ele entender. Como era possível? O que aconteceu? Caralho! Logo ele, que estava nessa fase nova, de cuidar do corpo, manter a auto-estima aceitável, arrumar-se todo o dia, cuidar dos cabelos, do corpo, da mente e da alma, limpar as unhas e passa cremes para hidratar o corpo. Ele era aquilo que vira na televisão: um metrossexual. Mas, contra o preconceito de amigos que achavam que só existem dois tipos de homens na face da terra, ele se julgava um novo ser. E gostava disso, se gostava mais, se podemos dizer assim.

Por isso era tão difícil entender. A mulher por quem era apaixonado não poderia ter feito o que fez. Não na cabeça dele. Casados há um ano e meio, os dois sempre tiveram um relacionamento que era citado por amigos do casal quando queriam se referir a um casamento bem sucedido. Alternavam-se nas tarefas de casa, ele cuidava dela como ninguém (ela mesma teria lhe dito isso), enquanto que ela o fazia feliz de um modo como jamais fora em seus sofridos trinta e dois anos. Viveram bons momentos nos sete anos desde que se conheceram, na boate Prings and Prestels. A independência profissional e financeira de ambos permitia-lhes uma vida confortável, sem apertos na contabilidade do mês e com folgas para um eventual passeio no campo ou um fim de semana na praia.

Já que raramente brigavam (tiveram apenas duas brigas grandes – uma por culpa dele, outra por culpa dela), como poderia ela ter feito o que fez?

Fica difícil até de explicar. Ele saiu a uma viagem de negócios que lhe tomou um mês longe de casa. Falavam-se quase todo dia, morriam de amores e de saudades. Eles se amavam. Até que o único mês previsto para o trabalho foi estendido por mais oito dias a pedido do supervisor-chefe. Oito dias e ele estaria em casa. Ela não gostou da idéia. A saudade era tanta que não suportaria mais tempo longe do amado. Ele, com uma aflição crescente no peito, passava os dias a pensar, imaginando o momento da volta, a surpresa no rosto da esposa quando lhe desse a pelúcia que comprara em uma loja tradicional da cidade. O tempo se demorava e os dias se arrastavam em uma progressão de dor e angústia que ambos sentiam, ainda que ela demonstrasse menos do que ele.

Quando finalmente retornou a casa, ele a viu diferente. Os olhos do homem não mudaram, mas o olhar da mulher denunciava certa frieza. Então se confirmou o pior dos pesadelos da vida conjugal: a traição.

Sentados no banquinho da mesa na cozinha, ela começou a chorar, arrependida do adultério. O sentimento dele era desolador, algo em torno do comovido e assustado, triste e desesperado, traído e destroçado. Sentia o coração em pedaços. A ela, ele lhe deu o que lhe parecia mais valioso. Para quê? Para ela destruir em uma noite o que tinham construído em sete anos. Porque para ele, a confiança é daqueles vidros preciosos, que depois de partido em pedaços nunca será reconstruído como antes.

Ele não se desesperou e nem falou o que pensava em falar. Não gritou nem chorou. Não lhe veio palavrões na mente, nem demonstrou ira, raiva ou ódio. Apenas o olhar cabisbaixo dos cornos. Logo agora que ele estava na boa fase da vida...

- Mas eu tô arrependida. Não sei porque fiz isso.

As respostas não serviam. Ele conhecia a velha ladainha: festas, amigas, carência, bebidas, o cara inescrupuloso que chega, o beijo sem escrúpulos, o dia seguinte, o arrependimento, o choro e a culpa.

- Mas eu te amo...

Ele já tinha visto tudo isso em filme. Pensou rapidamente nas possibilidades, mas tomando a decisão, não voltou atrás nenhum segundo. Pegou suas coisas, arrumou tudo, e seguiu para longe dali, sem gritar, sem falar o que ela deveria ouvir, sem entender mas já tentando se acostumar aos sustos que a vida dá quando menos se espera. Bem quando estava na boa fase da vida... Puta que pariu!

Em sua cabeça não cabia a idéia: como ela foi lhe trair? E com um sujeito que, ele sabia, nem sequer limpava o pênis depois de urinar no banheiro. Como isso pôde acontecer?

Seguiu triste toda a vida. O bichinho de pelúcia ficou intacto no fundo de sua mala até encher de mofo e cheirar mal.