O metrossexual, o coração e a pelúcia

Era impossível para ele entender. Como era possível? O que aconteceu? Caralho! Logo ele, que estava nessa fase nova, de cuidar do corpo, manter a auto-estima aceitável, arrumar-se todo o dia, cuidar dos cabelos, do corpo, da mente e da alma, limpar as unhas e passa cremes para hidratar o corpo. Ele era aquilo que vira na televisão: um metrossexual. Mas, contra o preconceito de amigos que achavam que só existem dois tipos de homens na face da terra, ele se julgava um novo ser. E gostava disso, se gostava mais, se podemos dizer assim.

Por isso era tão difícil entender. A mulher por quem era apaixonado não poderia ter feito o que fez. Não na cabeça dele. Casados há um ano e meio, os dois sempre tiveram um relacionamento que era citado por amigos do casal quando queriam se referir a um casamento bem sucedido. Alternavam-se nas tarefas de casa, ele cuidava dela como ninguém (ela mesma teria lhe dito isso), enquanto que ela o fazia feliz de um modo como jamais fora em seus sofridos trinta e dois anos. Viveram bons momentos nos sete anos desde que se conheceram, na boate Prings and Prestels. A independência profissional e financeira de ambos permitia-lhes uma vida confortável, sem apertos na contabilidade do mês e com folgas para um eventual passeio no campo ou um fim de semana na praia.

Já que raramente brigavam (tiveram apenas duas brigas grandes – uma por culpa dele, outra por culpa dela), como poderia ela ter feito o que fez?

Fica difícil até de explicar. Ele saiu a uma viagem de negócios que lhe tomou um mês longe de casa. Falavam-se quase todo dia, morriam de amores e de saudades. Eles se amavam. Até que o único mês previsto para o trabalho foi estendido por mais oito dias a pedido do supervisor-chefe. Oito dias e ele estaria em casa. Ela não gostou da idéia. A saudade era tanta que não suportaria mais tempo longe do amado. Ele, com uma aflição crescente no peito, passava os dias a pensar, imaginando o momento da volta, a surpresa no rosto da esposa quando lhe desse a pelúcia que comprara em uma loja tradicional da cidade. O tempo se demorava e os dias se arrastavam em uma progressão de dor e angústia que ambos sentiam, ainda que ela demonstrasse menos do que ele.

Quando finalmente retornou a casa, ele a viu diferente. Os olhos do homem não mudaram, mas o olhar da mulher denunciava certa frieza. Então se confirmou o pior dos pesadelos da vida conjugal: a traição.

Sentados no banquinho da mesa na cozinha, ela começou a chorar, arrependida do adultério. O sentimento dele era desolador, algo em torno do comovido e assustado, triste e desesperado, traído e destroçado. Sentia o coração em pedaços. A ela, ele lhe deu o que lhe parecia mais valioso. Para quê? Para ela destruir em uma noite o que tinham construído em sete anos. Porque para ele, a confiança é daqueles vidros preciosos, que depois de partido em pedaços nunca será reconstruído como antes.

Ele não se desesperou e nem falou o que pensava em falar. Não gritou nem chorou. Não lhe veio palavrões na mente, nem demonstrou ira, raiva ou ódio. Apenas o olhar cabisbaixo dos cornos. Logo agora que ele estava na boa fase da vida...

- Mas eu tô arrependida. Não sei porque fiz isso.

As respostas não serviam. Ele conhecia a velha ladainha: festas, amigas, carência, bebidas, o cara inescrupuloso que chega, o beijo sem escrúpulos, o dia seguinte, o arrependimento, o choro e a culpa.

- Mas eu te amo...

Ele já tinha visto tudo isso em filme. Pensou rapidamente nas possibilidades, mas tomando a decisão, não voltou atrás nenhum segundo. Pegou suas coisas, arrumou tudo, e seguiu para longe dali, sem gritar, sem falar o que ela deveria ouvir, sem entender mas já tentando se acostumar aos sustos que a vida dá quando menos se espera. Bem quando estava na boa fase da vida... Puta que pariu!

Em sua cabeça não cabia a idéia: como ela foi lhe trair? E com um sujeito que, ele sabia, nem sequer limpava o pênis depois de urinar no banheiro. Como isso pôde acontecer?

Seguiu triste toda a vida. O bichinho de pelúcia ficou intacto no fundo de sua mala até encher de mofo e cheirar mal.

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