Fui assistir ao filme Tudo sobre minha mãe com a esperança de vê-lo em espanhol com legendas também nesse idioma, mas o dvd só tinha legendas em português. Droga!
Tudo sobre minha mãe
Almodóvar tem um estilo peculiar de fazer filmes. Via de regra, suas obras são dominadas por uma parte técnica exemplar, com fotografia exuberante e destaque para cores fortes, sobretudo o vermelho e o amarelo, as cores da bandeira de seu país natal, a Espanha. A direção de atores é também bem feita, indo em direção a uma dramaticidade crescente e pulsante. Mais ou menos, é esse o cinema de Pedro Almodóvar, considerado o maior cineasta espanhol vivo.

Tudo sobre minha mãe conta a história de Manuela (Cecilia Roth), cujo filho Esteban, que vive se perguntando sobre o pai e que sonha um dia se tornar escritor, é atropelado e morre. Assim, Manuela sai de Madri e parte em direção à Barcelona, a fim de achar o pai do garoto e contar toda a verdade. Lá ela encontra Huma Rojo (Marisa Paredes), uma atriz de teatro de quem Esteban era fã.

Daí o enredo será levado por caminhos provocativos típicos do cineasta: travestis e suas relações com o mundo, por exemplo. Almodóvar avança lentamente em sua narrativa para um filme cujos desdobramentos ficam intrincados. A trama é complexa e a relação entre as personagens, acima de tudo, humana e dramática.

Tal dramaticidade é o mérito do filme, que trata do humano humanizando-o. Particularmente, acho desnecessário o despudor com que o cineasta trata alguns diálogos e passagens que, a meu ver, soam exageradas, como no momento em que Agrado diz: “meu pênis? Te mostro e te deixo lamber”. Mas esse erotização é, também, marca do cineasta.
Ganhador do Oscar de Filme Estrangeiro, é um filme difícil. A ação dramática se passa no interior das personagens e de suas relações. Ainda assim, é humano e não cai no fácil melodrama. Coisas de Almodóvar.

Revista Realidade (1966-1968)

Tive a oportunidade de ler, na hemeroteca do curso de Jornalismo da UFSC, a revista Realidade, que foi produzida mensalmente entre 1966 e 1968.

Essa revista, realizada pela editora Abril, foi um marco na história do jornalismo brasileiro. Uma linguagem inteligente, textos interessantes (em sua maioria, não-factuais, ou seja, não relacionados a fatos; matérias não presas aos assuntos efêmeros da notícia) e jornalistas brilhantes fizeram Realidade se tornar uma inovação e ser lembrada até hoje.

A revista prioriza bastante o texto escrito. Além disso, ela é bem extensa (as reportagens tem várias páginas e são muitas para o padrão atual), ainda para uma publicação mensal. De qualquer forma, trata-se de um texto que te prende da primeira à última linha, sobretudo pelos aspectos irreverentes, como rimas e boas sacadas.

Li um texto de Hamilton Ribeiro, chamado “De Agrado também se morre” (Agosto de 1966), sobre uma série de assassinatos em Uberaba, Minas Gerais. As mortes eram decorrências de envenenamento que um grupo de quatro mulheres praticava dando agrados (doce de mamão, feijoada, bolinhos) a seus desafetos. A abordagem é cativante, e Ribeiro possui um texto sublime, como no trecho:
“Numa feijoada de sábado, lá foram os três, famintos e inocentes, comer gostoso pela última vez”.

Outro texto primoroso é o de Carmen da Silva em “O Conflito de Gerações” (Setembro de 1967). Ela trata da dicotomia jovens x velhos, mostrando que a história se repete desde, provavelmente, o tempo das cavernas: o novo querendo se sobrepor ao antigo, formar novos valores, novas convicções e diferentes modelos de vida. Os jovens são radicais: ou oito ou oitenta. Sua rebeldia põe em questão e discute as estruturas vigentes. Ainda assim, é um assunto que dura por décadas e tem o final parecido: ou se adapta ou continua guerreando, com clareza, inteligência e perspicácia, como fazia Bertrand Russel, um importante ativista político liberal, filósofo popularizador da filosofia e matemático. São coisas que a Realidade ensina...

Me pegaram também!

Eu sempre pensei que séries de TV eram melhores do que novelas apesar de terem o mesmo efeito nocivo. Não haveria de ser “saudável” alguém que passa parte de sua vida assistindo a esse tipo de televisão (se você perde um, dois, três, quarenta capítulos ainda consegue acompanhar perfeitamente bem). Eu já assisti a novelas inteiras antes e sei que elas são dotadas de previsibilidade e que a intenção dos realizadores é te deixar preso à tela pelo maior tempo possível enquanto eles ganham dinheiro. Não é assim? Pois é. Para mim, as séries eram quase a mesma coisa, com a vantagem de serem mais bem elaboradas, divididas por temas (coisa que não ocorre nas novelas, que são um “mix” de vários gêneros). Mas uma série me fisgou de forma que não consigo mais abandoná-la. Trata-se da história de um grupo de pessoas que fica preso em uma ilha onde coisas misteriosas acontecem a todo o momento. Obviamente, estou falando de Lost.

As novelas são exibidas diariamente. As séries podem ser também, mas é comum que sejam apresentadas uma vez por semana. Antes de conhecer Lost, eu tinha essa discriminação em relação a tais programas. Malhação é um horror: previsível, mal feita e excessivamente comercial (nunca agüentei ver o guri bebendo coca-cola com close no rótulo da lata, por exemplo), assim como outras novelas que, quanto mais você assiste, mais nada acontece de novo. Viramos escravos, uma vez que os programas são feitos de propósito para te capturar e não soltar mais.

Eu tenho convicção de que os produtores ficam todos sentados em confortáveis poltronas bebendo whisky em confraria enquanto dão risadas por terem roubado mais um tempo da vida das pessoas. Seriam “sugadores de tempo”. Ora, já tentou se perguntar o que acontece de significativo em um único episódio. Muitas vezes a resposta é: nada. Sim, nada acontece de importante. Foi só um jeito de te enrolar um pouco mais na programação.

Isso faz parte do jogo. Normal. Depende de ti sair do ciclo vicioso dos programas. Assim foi ao assistir a um capítulo de Lost. Estava deitado na cama de meus pais, com a minha mãe. Começou a série, ela me explicou um pouco sobre a trama e eu acabei acompanhando, descompromissadamente. No primeiro intervalo, eu lembro de ter dito que odiava séries porque elas te prendem, te viciam e muitas vezes você não ganha nada com isso. Apesar desse meu pensamento, vi aquele episódio até o fim. E no dia seguinte também; e no outro, e no outro, e no outro, e já era. Tinha sido pego.

O fato de eles te enrolarem é o pior. Algumas séries duram anos. Lost está em sua terceira temporada. Assisti a primeira pela metade, a segunda inteira (santo computador, santa internet!) e a terceira começou a ser transmitida agora. Suponho que acabe por aí, senão terei de ficar mais tempo preso nas garras dos realizadores para conhecer o final. Espero que, ao contrário de minhas experiências anteriores, eu ganhe alguma coisa assistindo a tantas horas de televisão. Um pouco de conhecimento, quem sabe, em vez de alienação.