Depois daquele dia, estabeleceu-se um acordo tácito entre aqueles dois mundos. Era a quarta ou quinta vez que se viam, que conversavam, que riam juntos. Ninguém forçou a barra. Ela, calma e boa de papo, olhava diretamente para os olhos dele. Ele, por sua vez, não tinha más intenções, nem primeiras, nem segundas e nem terceiras. Era simplesmente conhecer gente nova e fazer amizades.

Mas aquele último encontro selou o pacto. Só com o pensamento, com o sentimento, com a emoção, guardaram o beijo para a próxima vez. Nem precisariam falar nada. O encontro macio dos lábios seria o bastante para dizer tudo sem nada. O gesto é comunicação. O silêncio também.

A relação assumiu a característica do duelo calado. Vieram os joguinhos; o fazer de conta; o não ver que o outro estava presente; o desviar de olhos; e conversas rápidas, apressadas, pelo corredor, entre uma tarefa e outra do serviço cotidiano. Tão atarefados estavam que ele não dava bola para ela e ela não se interessava por ele. Mentira! Interessar interessava. Faltava coragem em admitir. Ele, idem. O acordo era quieto, frágil em suas bases não-verbais. Os jogos matam qualquer relacionamento. Por que têm de existir? Orgulho? Vaidade?
















Uma semana. Duas. Três. Nada de nada. As conversas cada vez mais rápidas, os olhares furtivos desviados assim que o outro levantava os olhos. Risinhos nervosos, tensos, fingindo não rir do que o outro falava, mas de uma piada que acabara de se lembrar. O fim.

Enfim, uma festa com o pessoal do trabalho. Ambiente descolado, alegre, feliz. Os copos de cerveja rolando. Dourados e com espumas. Brilhantes. Como quem não quer nada, depois de certo nível alcoólico no sangue (nada muito preocupante), ele chega junto. Tudo bem? Ela está bem, e responde-o aos ouvidos:

- Não faz isso – sussurra, falando uma coisa, querendo outra.

Ele chega mais ainda. As assinaturas do acordo se mantêm. Invisíveis. Caladas. Até se encontrarem no tão sonhado beijo macio, suave, ébrio. Ligeiramente ébrio.

Ninguém disse a ele que o acordo tinha prazo de vencimento. Acabou depois daquela noite, quem sabe naquela noite mesmo, logo após voltarem do mundo do beijo bêbado.

Nas outras festas, cada vez mais freqüentes para “alegrar” e “socializar” os funcionários, ela mostrou que era espécie de agiota e financiadora. Não adianta notas promissórias. Ela não deve nada. Não era só com ele que mantinha acordo, mas com muito mais gente do que se poderia imaginar. Acordos tácitos com vencimento em um dia. O prazo final. Depois disso, venceu. Não vale mais. Ela venceu ou venceu ela?

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