2+2=5?

Dois mais dois é igual a quanto? No regime autoritário de 1984 é quanto o Grande Irmão quiser

(Nineteen Eighty-Four, Companhia Editora Nacional, 2003)

O que passa pela sua mente quando se pensa em uma sociedade totalitária? Toque de recolher, julgamentos sem o devido processo legal, guerras? George Orwell imaginou, em 1948, um mundo sufocante onde governos tipo Hitler e Stalin seriam coisa de criança quando comparados ao poder do Grande Irmão, o Big Brother.

Clássico do que especialistas chamam de literatura política, 1984 traz um mundo aterrador, dividido em três superestados que estão em guerra permanente. O objetivo da guerra não é vencer o inimigo, mas manter no poder certo grupo dominante. As pessoas não têm liberdade de ir e vir e, muito menos, de pensar. Em grande parte das residências, um objeto chamado teletela “vê” o que todo mundo faz. O Estado detém a memória: todos os registros do que aconteceu antes da chegada do Grande Irmão ao poder foram modificados e sofrem alterações assim que uma notícia, artigo ou opinião entrem em conflito com as necessidades do momento. Nada havia além do Partido: “tudo se fundia e confundia num mundo de sombras no qual, por fim, a data do ano se tornara incerta”.

A coesão interna é obtida não apenas pela opressão, mas também pela elaboração de um novo idioma - a Novilíngua - que impediria que qualquer opinião contrária ao Partido fosse expressa. Trata-se de uma coleção de vocabulários enxutos que condensa ou remove sentidos a fim de restringir o pensamento. Uma vez que as pessoas não pudessem se referir a algo, isso passaria a não existir. A palavra mais usada no livro, seguindo o novo idioma, é duplipensar. Seu significado corresponde ao fato de o indivíduo conviver simultaneamente com duas crenças opostas, aceitando ambas.

“Saber e não saber, ter consciência de completa veracidade ao exprimir mentiras cuidadosamente arquitetadas, defender simultaneamente duas opiniões opostas, sabendo-as contraditórias e ainda assim acreditando em ambas; usar a lógica contra a lógica, repudiar a moralidade em nome da moralidade, crer na impossibilidade da Democracia e que o Partido era o guardião da Democracia; esquecer tudo quanto fosse necessário esquecer, trazê-lo à memória prontamente no momento preciso, e depois torná-lo a esquecer; e acima de tudo, aplicar o próprio processo ao processo. Essa era a sutileza derradeira: induzir conscientemente a inconsciência, e então, tornar-se inconsciente do ato de hipnose que se acabava de realizar. Até para compreender a palavra "duplipensar" era necessário usar o duplipensar."



O livro conta a história de um funcionário do Partido, Winston Smith (referência ao primeiro-ministro inglês durante a Segunda Guerra Mundial, Winston Churchill, junto a um sobrenome comum no Reino Unido: Smith) que passa da indiferença na sociedade em que está inserido à revolta. Para ele algo estava errado. Faltava alguma coisa. Não sabia o que sentia e tentava extravasar sua angústia escrevendo em um diário – sempre em um espaço fora do alcance da teletela. Se fosse pego, provavelmente se submeteria à Polícia do Pensamento, que “sumia” com as pessoas, apagando qualquer vestígio de que elas teriam um dia existido. Tornaria-se uma “impessoa”.


Com narrador em terceira pessoa, Orwell nos guia pelo caminho que Winston percorre na rebelião contra o sistema. Chega de ser mais uma engrenagem, mais uma peça da máquina do Grande Irmão. Naquele contexto, as coisas eram como o Partido quisesse que fossem. Em um desabafo, o protagonista escreve em suas anotações: “A liberdade é a liberdade de dizer que dois e dois são quatro. Admitindo-se isto, tudo o mais decorre”.

O Grande Irmão pode controlar aquilo que temos de mais íntimo e particular: o pensamento. Para o autor, é o futuro. Um pesadelo. A metáfora do mundo que estávamos, em meados do século XX, quando o livro foi escrito: invasão de privacidade, avanços tecnológicos a favor do controle aos cidadãos, a manipulação da memória histórica, as guerras contínuas cujo objetivo não é conquistar territórios, mas manter intacta a estrutura da sociedade. Será que o planeta em que estamos vivendo vai se tornar um 1984? Ou já vivemos sob o olhar do Grande Irmão e ainda não nos demos conta?

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