O ipod nano

André saiu de casa e se esqueceu de fechar a segunda gaveta e de ajeitar o tapete. A luz ficou acesa e ele nem percebeu. No relógio, dez para as duas. Ou virava super-homem e saía voando pelos céus de São Paulo ou certamente perderia seu voo. Indicou para o taxista o aeroporto de Congonhas e sentou-se comodamente no banco estofado de couro. O coração disparava e por isso selecionou Frank Sinatra no ipod nano que ganhara de Rosângela. Então ele pensou no dia em que a conheceu. Lembrou da tempestade que o impediu de pegar o voo 456 com destino a Brasilia. Na hora, quando foi informado pelo comandante que as condições do tempo eram totalmente adversas para a decolagem, ele ficou puto. Voltou ao saguão da companhia aérea e esbravejou com a atendente, incorformado de ter que ficar mais um dia à toa na cidade.

Agora tudo parecia distante e sua memória lhe pregava peças: já não lembrava nem da cor dos cabelos da atendente que, na tentativa de acalmar a fúria do cliente, lhe ofereceu hospedagem paga pela companhia aéres, cujo nome não lhe vinha à mente.

Passou com um giro do polegar para a próxima canção: um rock dos Rolling Stones. E de repente Rosângela de novo bate na mente hiperativa de André. Encontram-se ao acaso no bar do aeroporto. Quanto tempo! Que saudade de você. Ele envergonh-se do suco de maracujá - ou seria abacaxi? - que pediu ao garçom. Para ela, um dry martini com azeitona verde, por favor.

Ela lhe conta das novidades. Estava se mudando para Rock Island. O voo sairia em duas horas, tempo suficiente para rirem do passado, das aventuras sexuais da adolescência, do casamento prematuro e do divórcio apressado. Viveram pouco tempo juntos. Pouco e intensamente.

Ela tomou o avião e nunca mais deu notícias. Só de vez em quando é que Rosângela surge rápida na cabela de André. Em dias de chuva, de aeroporto, de dry martini ou sempre quando ele gira o polegar para mudar as músicas de seu ipod nano.

Nenhum comentário: