Pequena Miss




















Filmes de pequeno orçamento, via de regra, têm poucas chances de sobreviver no mercado de cinema, ainda mais no grande circuito cinematográfico que começa em Hollywood e, de lá, se espalha pelo mundo. Mas, felizmente, há exceções. Afinal, um gordo orçamento não garante um bom filme.

Little Miss Sunshine é um caso típico de filme barato – para os padrões da indústria – que se sobressaiu e conquistou espectadores e a crítica. Com um orçamento de US$ 8 milhões, esse projeto é um exemplo de luta e determinação. Os realizadores demoraram cinco anos para finalizar o filme, justamente por problemas financeiros. Mas a espera valeu a pena: Little Miss Sunshine arrecadou cerca de US$ 50 milhões apenas nos Estados Unidos.

Os diretores estreantes Jonathan Dayton e Valerie Faris – pelo roteiro original de Michael Arendt – contam a história de uma família norte-americana. O pai, Richard (Greg Kinnear) tenta lançar um livro de auto-ajuda através da técnica “9 passos para o sucesso”. Para ele, todas as pessoas do Universo se dividem em dois grupos: os vencedores e os perdedores. A mãe, Sheryl (Toni Collette), é a mediadora dos temperamentos à flor da pele que toma conta dos membros da família. O avô (Alan Arkin) usa drogas e só pensa em mulheres. O tio, Frank (Steve Carell), é homossexual e vai morar com a família Hoover depois de ter tentado o suicídio. O irmão mais velho, Dwayne (Paul Dano), que faz voto de silêncio até conseguir se tornar piloto da Força Aérea Americana. E, por fim, a pequena Olive (Abigail Breslin), a caçula. A história vai unir a família rumo a um concurso de beleza no qual Olive tem o sonho de participar: o “Pequena Miss Sunshine”.

Para isso, eles vão pegar uma kombi e atravessar os Estados Unidos, dirigindo até o destino final. Nessa jornada, quem ganha destaque é, justamente, Olive. É ela quem une todas as pessoas da família e ela todo mundo respeita. É o poder da filha caçula.

As brigas são freqüentes, mas nada se compara ao drama de Dwayne. Usando camisetas do tipo “Jesus estava errado”, o garoto usa cabelos quase tapando os olhos e odeia tudo, inclusive a própria família. O não-falar dele é angustiante, pois sabemos que ele tem muito a dizer e não diz. Pior, ele vai guardando sentimentos tão fortes que acaba se corroendo por dentro. É aí que surge o talento de Paul Dano (injustamente não indicado ao Oscar). Toda a angústia e rancor do personagem são passados ao espectador, de modo que não condenamos o garoto por seus atos de ódio, mas desejamos urgentemente que ele se recupere, solte aquilo que sente. Temos vontade de gritar por ele e isso nos causa aflição, sobretudo quando o garoto anota em um bloco de notas aquilo que deseja comunicar. Como na cena em que, percebendo que a mãe começa a chorar ele simplesmente escreve no bloco “vá abraçar a mamãe” e mostra para a irmã. Ele, que estava ao lado da mãe, é incapaz de abraçá-la ou demonstrar um gesto de afeto por achar que aquilo seria um gesto de fraqueza de sua parte.

O filme é daqueles que valorizam muito a interpretação. Assim, os atores têm matéria-prima farta para desenvolver seus personagens, o que o fazem com eficiência. Mas o grande destaque fica mesmo por conta da pqeuena Olive. Abigail Breslin a interpreta com tamanha doçura e carisma, que dado momento da projeção nos vemos naturalmente torcendo para ela e nos emocionando com isso. A garota une a família Hoover e também une o espectador com o filme.

Há apenas um aspecto que destoa do resto da produção. No final, o que acontece com Dwayne não é coerente com o personagem que fomos conhecendo no decorrer da trama. Ele vai evoluindo e se transformando, mas depois parece que o roteirista se entrega à simpatia que o filme adquire e esquece de dar um contorno lógico ao personagem.

De qualquer forma, Little Miss Sunshine é muito interessante de se assistir. Um filme não só agradável, mas de certa forma reflexivo: como cuidamos da nossa família? O que significa fazer parte de uma família e zelar por ela? Afinal de contas, a família – e não me refiro somente aos laços sanguíneos - é o princípio de tudo, a base de tudo aquilo que pretendemos construir.

O filme foi indicado aos Oscar de Melhor Filme, Ator Coadjuvante (Alan Arkin), Atriz Coadjuvante (Abigail Breslin) e Roteiro Original. Os diretores são um casal, e não sei por que cargas d´ água não foram indicados. O melhor filme não deveria ter o melhor diretor? A visão que tiveram do enredo foi, talvez justamente por serem marido e mulher, balanceada sob o ponto de vista da família. Conseguiram fazer um filme emocionante, sensível e independente.

Mais: destaque para a cena comovente que mostra os irmãos sentados e, ao fundo, o resto da família e a Kombi – que vira um personagem com a função de agregar todos os outros.

A torre da incompreensão





















A Torre de Babel foi uma tentativa de construir um edifício tão alto a ponto de tocar o céu. Segundo o relato bíblico, Deus não gostou de tamanha ousadia humana e fez com que os trabalhadores começassem a falar em línguas diferentes, de modo que não pudessem mais se comunicar, deixando a obra abandonada. Babel, filme indicado a sete Oscars (Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Atriz Coadjuvante (Adriana Barraza e Rinko Kinkuchi), Melhor Roteiro Original, Melhor Trilha Sonora e Melhor Edição) e ganhador do Globo de Ouro de Melhor Filme Drama, traz quatro histórias, todas elas faladas por diferentes idiomas, que apresentam certa ligação.

Dois garotos marroquinos (Said Tarchani e Boubker At El Caid) que manejam um rifle a fim de proteger a pequena criação de cabras da família. Eles “brincam” de atirar até que o mais novo acerta um ônibus repleto de turistas norte-americanos. Ali está o casal Richard (Brad Pitt) e Susan (Cate Blanchett), que deixaram seus dois filhos nos Estados Unidos sob os cuidados da babá mexicana Amelia (Adriana Barraza), a qual decide levar as crianças ao México para um casamento. Por fim, uma garota japonesa e surda (Kôji Yakusho) tenta aceitar a perda de sua mãe e viver a adolescência.

Dirigido pelo mexicano Alejandro González-Iñarritu (Amores Brutos e 21 gramas), as histórias tendem a se encontrar de forma tensa. O problema de um filme com histórias separadas é o ritmo. É quase impossível para Iñarritu manter um ritmo constante quando a história acaba, naturalmente, sendo umas mais interessantes que as outras, ainda que isso nos deixe ansiosos pela “volta”. Os cortes, que deviam ser suaves, tornam a narrativa lenta. Mas parece que é mesmo essa a intenção do diretor. Além disso, ele utiliza repetidamente a técnica de manter a ação na imagem e a quase mudez no som (isso é bem mais fácil de entender quando se trata da garota surda-muda, mas é usado em quase todas as outras histórias paralelas). Estaria sendo utilizado para demonstrar a incomunicabilidade, seja política, amorosa, por fatores externos ou até por deficiência.

Em uma entrevista de divulgação do filme, o cineasta diz ter um olhar crítico em relação à política externa dos Estados Unidos, no caso em que a turista ferida vira notícia no mundo inteiro antes que ao menos receba ajuda. Além disso, a busca por um culpado, um inimigo em ação contra a América, é feita quase instantaneamente.

O roteiro, do também mexicano Guillermo Arriaga, busca mostrar uma globalização de sentimentos comuns. Dessa forma, o filme levanta temas como intolerância, imigração ilegal, terrorismo, pobreza e violência. As histórias se passam nos Estados Unidos, México, Marrocos e Japão. A intenção seria mostrar a incapacidade de se comunicarem de pessoas de diferentes culturas, nacionalidades e de idiomas distintos. Mas há exceções: o personagem de Brad Pitt, por exemplo, briga com outro turista norte-americano e se entende com um cidadão marroquino que ajuda sua esposa.

A história da japonesa, ainda que gere bons momentos – ela em uma festa de música eletrônica com novos amigos -, está totalmente deslocada do contexto em que se passa o filme. É uma narrativa que daria para fazer um filme inteiro ao invés de deixá-la fora de contexto, o que compromete todo o resto. Além disso, a lentidão da trama e a redundância com que o diretor usa seus recursos técnicos ofuscam as possíveis mensagens que o roteiro visa transmitir, como: simples atos impensados podem gerar conseqüências devastadoras ou os preconceitos com diferentes culturas (aqui, Babel se assemelha a Crash, ganhador do Oscar de Melhor Filme do ano passado).

Sinceramente, não merecia indicação ao Oscar de Filme e muito menos de Direção. Mas, verdade seja dita, se vencer na categoria Melhor Filme, vai ser um filme que não é falado somente na língua inglesa. Uma vitória de diferentes culturas. No mais, um filme superestimado.

A temperatura que os livros queimam




Um homem comum tomando uma xícara de café em sua própria casa e fumando um cigarro recebe uma estranha ligação.
- Alô!
- Sai de casa. Apresse-se!
- O quê? Quem é?
- Vai logo. Se mexe!
A câmera aproxima dando closes no rosto do rapaz em quatro cortes. A pessoa desliga. Ele ouve o barulho de sirene. Olha na janela. Pega o casaco e sai comendo uma maçã. Instantes depois chega o corpo de bombeiros. Seus homens vestindo preto invadem a residência e procuram insistentemente por... livros. Juntam os exemplares que conseguem encontrar e queimam tudo.

Assim é o começo de Fahrenheit 451, filme dirigido por François Truffaut, cujo roteiro é baseado em livro de Ray Bradbury. A história se passa em algum lugar do futuro, quando bombeiros são os tentáculos de um sistema que abomina toda forma escrita (os jornais que os personagens lêem são compostos por figuras) e queimam livros. Um dos bombeiros, Guy Montag (Oskar Werner), passa a questionar suas próprias ações. Tentarei, por meio deste artigo, comentar algumas passagens da trama, o que pode estragar o filme a quem ainda não o tenha assistido.

Aviso dado, vamos ao óbvio: François Truffaut é gênio. Ele é um dos expoentes da Novelle Vague francesa, ao lado de Jean-Luc Godard, e seu primeiro filme, Os Incompreendidos (1969), lhe rendeu o prêmio de Direção em Cannes.Seus planos, suas boas sacadas, a composição das cenas e suas transições: partes que podem ser consideradas como aulas de cinema. O uso consciente e moderado da câmera lenta, quando tem a intenção de justificar alguma passagem ou dar ritmo é um dos melhores achados de Fahrenheit 451. A propósito, a abertura do filme é falada – não temos os créditos dedicados aos atores, roteiristas, diretor, etc. como modo a encenar o que veremos a seguir: uma sociedade que abomina palavras impressas em um filme que se apresenta sem palavras escritas.

Em Fahrenheit 451, o sistema sob o qual as pessoas vivem entende que, para sermos felizes devemos ser iguais, e para sermos iguais ninguém deve ler, uma vez que a leitura diferencia as pessoas. Quando Montag encontra uma jovem professora no ônibus, ela lhe pergunta se ele já lera algum dos livros que queima. A curiosidade toma conta do bombeiro, que passa a repensar seus valores: afinal, por que tudo isso?

Quando ele começa a ler, desenvolve um senso crítico, passa a fazer perguntas e a sair do mundinho fechado em que seus conhecidos vivem – um mundo dominado pela televisão. Aqui cabe um questionamento: não seria a TV objeto muito mais disseminador de idéias – e perigoso sob a ótica do filme – que livros? Mas a TV que assistem é dominada por um canal alienador, que conta com novelas interativas e um telejornalismo do espetáculo.

Assim, Montag, que julgava ser feliz, passa a mão ser mais. Ele acha um mundo novo a descobrir e sai da caverna em que estava preso e na qual outros como ele ainda estão. Mais uma vez o mito da caverna de Platão. Montag se destaca e não vê mais o mundo com os mesmos olhos. Nessa transformação do personagem tem destaque a cena em que uma mulher idosa, cuja biblioteca ia ser queimada pelos bombeiros, resolve atear fogo em si mesma. Ela morre junto aos livros que tanto ama.

Depois de ser perseguido por essa sociedade – e aqui o cenário composto pelo diretor é coerente com a proposta do filme: a cidade não tem arroubos futuristas, mas contém uma atmosfera sombria, asfixiante e opressora – Montag foge para um retiro no qual estão várias pessoas que usavam livros e que também foram marginalizados pela sociedade. A cena de sua perseguição é um dos momentos mais fracos do longa. Falta emoção e credibilidade.

Nesse lugar, ele vai ter contato com os homens-livros: indivíduos que decoraram leituras que fizeram a fim de nunca deixar a cultura morrer. O papel pode ser queimado, mas o que está na mente nunca pode ser usurpado. Ali ninguém tem nome. Chamam uns aos outros pela obra e pelo autor: Macbeth, de Shakespeare; Pride and Prejudice, de Jane Asten. Essas pessoas-livros deixam de ser pessoas para virarem livros.

É um lugar que não parece bom e no qual se está perdido como em uma grande biblioteca. Aí está o final anticlímax, com certa dose de pessimismo, mas que faz pensar: as pessoas são felizes na ignorância, como a mulher de Montag; mas ele começa a ler, a pensar e a se desvencilhar daquele mundo e não consegue mais ser feliz e nem voltar ao estado inicial de ignorância. Algumas perguntas: se pudesse voltar à ignorância e, assim, à ilusão de ser feliz, nós voltaríamos? Você voltaria? E ele, que vê o mundo com novo olhar, qual o próximo nível de felicidade? Como alcançá-la?

A explicação do filme é que não há mais felicidade, mas apenas um espaço onde nos podemos esconder, onde se deixa de ser humano para ser um livro ambulante – e nem sabemos como essa comunidade se sustenta, pois passam a vida a recitar as linhas dos livros que leram, sem nada mais fazer. É o movimento cíclico de alienação, mas dessa vez com o livro como objeto. As pessoas vivem na inércia, sem buscar a felicidade, sem crescer, sem voltar à cidade para revolucionar. Elas mesmas se tornam escravas da admiração submissa às grandes obras e o livro deixa de cumprir a função de desenvolvimento. Eles se livraram daquela sociedade para se escravizarem em outra.

O filme deixa um gosto amargo, mas, assim como um bom livro, faz refletir.

Ah, o amor...



















Os chamados filmes de comédia romântica são, em geral, muito previsíveis: um homem que é apaixonado pela mulher (ou vice-versa) irão enfrentar mil desafios para ficarem juntos e felizes. São raros os filmes desse gênero que conseguem sair do lugar-comum, e é justamente o caso de Elsa & Fred, uma co-produção Espanha-Argentina dirigida pelo argentino Marcos Carnevale.

Ela (China Zorrilla) é uma mulher idosa que adora contar histórias – tanto faz se são verdadeiras ou não. Sofrendo uma doença terminal, Elsa tenta aproveitar cada minuto intensamente, dando o máximo de si.

Ele (Manuel Alexandre) é um aposentado ressentido com a recente morte da esposa e a influência de uma filha estressada que, aliada com o marido, deseja o dinheiro de Fred para investirem em um cybercafé. Fred é hipocondríaco e toma remédios em excesso. Tem medo de viver.

Quando se conhecem em Madri, Espanha – moram em apartamentos vizinhos -, passam a ter uma relação. Elsa é elétrica e adolescente. Fred, um tanto conservador e reticente. Um vai ajudar ao outro na busca pelos sonhos e na coragem de, independente da idade avançada, viver.

Quem falou que pessoas idosas devem ficar sentadas, sem nada a fazer, esperando a morte chegar? Por que eles não podem encontrar o amor novamente e redescobrir sentimentos que são mais fortes na juventude? O filme quebra tabus e mostra um casal de idosos em toda a beleza que essa experiência pode trazer.

O grande destaque fica por conta de Elsa. China Zorrilla encarna com intensidade uma personagem que, sabendo que não tem muito tempo, decide fazer tudo o que deseja. Uma atuação cheia de significado em suas risadas, no modo de falar e na jornada que leva à conquista de Fred. Apesar da grave doença, Elsa tenta deixar de lado o fato inexorável de que vai morrer. Mas isso é justamente o drama que as pessoas idosas têm de enfrentar: vão morrer logo; o que fazer para serem felizes no pouco tempo que resta? A lição que Elsa transmite é válida em todas as fases de nossas vidas.

Com toques de humor que recheiam toda a produção, Elsa & Fred é uma boa surpresa. O filme não tem idade-limite: é agradável a todas as idades. Um filme diferente, leve, simpático e romântico.

Pegadas

Na pegada.
Na pegada de fazer. Qualquer coisa. Bem feita, feito e fazida.
Na pegada de crescer. Pra qualquer lado. Desenvolver. Evoluir
Na pegada de chorar. Às vezes é necessário. Desabafar. Soltar as lágrimas. Jogar pra fora. Talvez se sinta melhor. Talvez não. Mas tudo isso faz parte.
Na pegada de ser. Quem quer que seja. Mas você.
Na pegada de viver. Um dia é da caça. Outro do caçador. E isso também faz parte.
Na pegada de ser feliz. De não medir esforços para isso, mesmo que a felicidade seja cíclica e passageira e que os momentos de não-felicidade possam estimular atos e atitudes.
Na pegada de amar. A pessoa pode não te merecer, não te dar atenção, não ser quem você espera. Você pode amar hoje e odiar amanhã. Mas o sentimento do amor há de te fazer bem, não sendo desperdício amar a quem não te ama.
Na pegada de nada fazer. Na pegada de fazer tudo. Na pegada de saber aproveitar. Na pegada de lutar, lutar e, por fim, vencer. Ou até na pegada de perder, pois isso também faz parte.
E, por fim, na pegada de curtir. Na pegada de pegar. Na pegada de pegada.

Hoje a noite, aqui na selva...

Sempre achei que O Rei Leão não era filme para crianças. Apesar de ser desenho animado e um musical típico dos estúdios Disney, como em A Bela e a Fera, o filme tem uma história mais profunda, que expressa angústias, medos, incertezas e lições que temos de enfrentar em algumas fases de nossas vidas. Quando vi o filme pela primeira vez, logo que estreou nos cinemas – em 1994 -, tinha sete anos e adorei, embora tenha achado a história triste. Anos depois – com um olhar mais maduro, espero -, vejo o filme de forma diferente: um roteiro complexo que explora, na fábula animal, as peculiaridades e os problemas que nós, seres humanos, encaramos na vida real.

Dirigido por
Roger Allers, Rob Minkoff, a história se passa na savana africana, onde acompamos a jornada de um jovem leão chamado Simba até a idade adulta. O filme começa com o nascer do sol e o aparecimento de vários animais típicos daquele ambiente - rinocerontes, girafas, zebras - ao som de uma mistura de ritmos africanos e da belíssima música “Ciclo sem Fim”. Daí vem o babuíno Rafiki e “batiza” o pequeno leão, filho do rei Mufasa e da rainha Sarabi. É então que o enredo nos leva pelos caminhos do destino de Simba.

O roteiro, escrito a seis mãos por
Irene Mecchi, Jonathan Roberts, Linda Woolverton, dialoga com textos bíblicos: a história de Moisés, que assim como Simba foi criado em berço real e teve que fugir para o exílio, de Josué – sucessor de Moisés que leva o povo de Israel à Terra Prometida. E, principalmente, o roteiro segue os passos de Hamlet, uma peça de teatro escrita por William Shakespeare, por volta de 1600. Assim como na peça, está presente a ameaça familiar, retratada em O Rei Leão pelo irmão do rei, Scar, a presença do fantasma do patriarca e, sobretudo, a grande questão do “ser ou não ser”.

Simba, depois da morte do pai, foge do reino do qual seria o sucessor natural, deixando a “coroa” para seu tio Scar, que governa em companhia das hienas – a parte musical em que ele planeja a morte do rei é elaborada com tons escuros e cores frias que, assim como sua juba negra, dão a tonalidade do mundo de sombras que o tio malévolo representa. Simba encontra, então, duas criaturas que ensinam uma lição filosófica: “Quando o mundo vira as costas para você, você vira as costas para o mundo”, diz Timão. E é daí que surge a lição de vida “Hatuna Matata”, que significa “sem problemas”: resolver os problemas ou deixá-los para trás. A música “Hatuna Matata” é simplesmente demais: muito bem escrita e animada pelos amigos inseparáveis Timão, um suricate, e Pumba, um javali.

É interessante como os animadores desenvolveram certas cenas, como na parte em que Simba vai ao “reino das sombras” e Mufasa o repreende. Pouco antes da bronca, tem-se a grande pegada do rei em contraste à pequena pata do filho, evidenciando que o pai tem mais experiência e que o filho deve, de alguma forma, respeitá-lo e ouvi-lo.

O personagem Simba, com o passar da projeção, se desenvolve: no começo é uma “criança” (filhote, tá bom) arrogante, que sabe que é herdeiro de um reino animal vasto e acha que, por isso, pode mandar em todo mundo, o que inclui o pássaro azul amigo do rei, Zazu.

Assim, também merece destaque a parte em que Simba, já crescido, vive em seu mundo de alegria com Timão e Pumba e, para “acordar” recebe uma paulada de Rafiki. Essa paulada serve para que o leão se lembre de quem ele é e para chamar a atenção para os ensinamentos do velho rei Mufasa: “olhe para dentro de si, Simba” – a resposta não está no exterior, mas em nós mesmos, evidenciando o caráter amplo e filosófico de um filme que, a primeira vista, parece simplesmente uma nova animação bonitinha dos estúdios Disney.

A riqueza do filme vem, também, da trilha sonora. A música é de Hans Zimmer, Elton John e Lebo M. São ritmos épicos e de ópera misturados com tons africanos que transmitem a liberdade do mundo animal nas savanas. Os números musicais são recheados por boas sacadas e coreografia de, como se diz por aí, encher os olhos. O filme foi indicado para quatro Oscars: trilha sonora e pelas canções originais "Circle of Life", "Hakuna Matata" e"Can You Feel the Love Tonight", esta última levando a estatueta dourada junto a de melhor trilha sonora.

Curiosamente, o filme era para ser um especial da National Geografic em versão animada, mas foi muito mais do que isso. Com uma história interessante – na verdade um enredo antigo, mas com roupagem nova -, trilha sonora de altíssimo nível e mensagens que superam quase tudo o que já foi passado por outros filmes da Disney, O Rei Leão é um filme para ficar na memória. Mas não se esqueça: Rafiki, não deixe o Simba cair. “Hatuna Matata”.

Jornaleiros

- Deixa de ser uma mulher dessa aí pra virar um esqueleto humano – diz um homem de aproximadamente 30 anos, vestido de camisa pólo azul e uma barba por fazer.
- É! E mulher depois de sair do sol na praia vira um espetáculo – responde outro homem, de aparência um pouco mais velha, com o sotaque carregado de quem vive há muito tempo na Ilha de Santa Catarina.

Esse diálogo acontece dentro da banca de jornais e revistas chamada “Banca Trindade”. Localizada em frente a um supermercado - bem próxima à Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) - a banca tem mais de quinze anos. “Quando eu era criança essa banca já existia. Eu passava por aqui”, lembra Augusto Miranda, o rapaz que é o administrador do negócio.

A banca não é pequena. Além de vender diversos jornais e revistas de todos os tipos, também são comercializados guloseimas, cigarros, sorvetes e alguns livros. Enquanto converso com Augusto, muitas pessoas nos interrompem:

- O senhor tem o jornal “A Notícia” aí?
- Tem cigarro Carlton?
- Quanto custa esse chicabon aqui?

Mas ele explica que isso não acontece com qualquer banca de jornal. “Depende do ponto que se tem. Tem uma banca lá embaixo que fechou. Não dava lucro”, diz apontando para a rua.
O movimento, de fato, é intenso na região. Além do supermercado sempre cheio de gente entrando e saindo, a Universidade traz alunos que sempre consomem jornais e revistas. É assim que a “Banca Trindade” tem seu lucro.

Por trás de dois administradores que se revezam no comando das vendas está quem realmente montou a banca. Augusto o chama de Batman. “Hoje ele vive escondido na sua toca. Só sai para receber o dinheiro”, afirma Augusto se referindo ao empregador. E quando pergunto se ele gosta de trabalhar na banca, ele é categórico: “Eu gosto é do meu patrão”.

Para abrir uma banca de jornal, o primeiro mês é financiado pelo próprio dono. A partir daí se consegue as publicações por meio de empréstimo consignado, ou seja, as mercadorias são entregues para serem negociadas com terceiros – os clientes. O que não vender é recolhido pelas editoras.

No Brasil são cerca de 40 mil pontos de venda, segundo a Associação Nacional de Jornais (ANJ). Estão em todo o lugar: shoppings, estações rodoviárias, perto de supermercados, escolas, faculdades, no metrô. Já tomaram parte da paisagem e se tornaram algo corriqueiro.

No Brasil, esse tipo de comércio é herança dos italianos, espanhóis e portugueses, que abriram as primeiras bancas brasileiras durante o século XIX. Mais do que simples ponto de venda, elas são pontos de encontro para conversa ou descontração, como nos bate-papos informais em que pessoas que nunca se viram antes conversam sobre os mais diferentes assuntos, de mulheres bonitas até o campeão de futebol, de culinária, novelas e viagens.

Augusto não fala qual o rendimento da banca. “Aí depende. Cada mês é diferente. O lucro de uma banca não é fixo, mas sempre tem que pagar luz, telefone e aluguel”.

- Mas como é trabalhar em uma banca de jornal? Deve ter horas em que não tem nada pra fazer. – eu pergunto, interessado.
- Vixi. Que nada! É duro porque não fica parado. Tem dias que fica cliente até as dez, mas daí eu fecho. Não passo de dez horas [da noite]”, diz Augusto. “A única hora livre é das sete e quinze da manhã até umas oito e meia. E só. Depois é só correria”, completa.

Assim que acabo de pegar as informações básicas ele olha pra mim e pergunta: “Ei, tu não quer abrir uma banca, quer?”.

Impossible

Missão Impossível é uma série na qual a ação sempre foi intensa e a história sempre descambava para um típico forçado que dava vontade de sair dando risadas no cinema. Eram máscaras de borracha (características de MI), helicópteros voando em túneis de estrada, o herói que nunca se fere e faz a arma levitar para atingir seu alvo. A verdade é que a série – o primeiro dirigido por Brian de Palma e o segundo, John Woo - sempre teve a intenção de serem bons filmes de ação com elementos, digamos, sobrenaturais. Com Missão: Impossível III todos esses detalhes continuam presentes, mas o diretor JJ Abrams mudou a série. Com esse filme nós não saímos do cinema dando risadas da produção.

O agente da IMF Etahn Hunt (Tom Cruise) leva uma vida tranqüila com sua noiva que não sabe de sua verdadeira ocupação. Ele é responsável por treinar novos agentes e é chamado para resgatar uma de suas pupilas que foi seqüestrada por Owen Davian (Philip Seymour Hoffman), um comerciante do mercado negro. E é assim que uma equipe é montada para a nova missão impossível.

O filme é alucinante do começo ao fim. Tem início em um interrogatório no qual vemos Hunt sendo torturado em frente a Owen Davian, o que é uma evolução na série. Hunt, talvez pela proximidade com sua amada, está bem mais humano nesse terceiro filme. Ele ainda é o invencível, mas pelo menos sofre, chora, leva esporro de seu patrão. Além disso o filme tenta tornar-se mais natural. Somos levados a conhecer, por exemplo, o modo como se criam aquelas famosas máscaras de borracha. A tecnologia não é muito convincente, mas ao sabermos como ela é feita, fica mais fácil de aceitá-la.

Claro que Missão: Impossível III tem algumas incongruências, coincidências, compaixão, um final até certo ponto questionável, mas é inegável que o filme tem uma narrativa cativante. Uma ação precede outra e mais outra e quando vemos o filme já está no fim. É um ritmo intenso do início ao fim.

Philip Seymour Hoffman (ganhador do Oscar de Ator por Capote) é o melhor vilão da série. Seu domínio do personagem, de seus anseios e objetivos é perfeito. Ele cria um contraponto constante com o mocinho. Se nós temos Ethan Hunt, eles têm Owen Davian, que parece mais forte (ou mais bem protegido) que Hunt.

É. Cumpre o que promete. O que JJ Abrams (co-autor da série Lost e estreante em longas-metragens) fez com Missão Impossível é louvável: um filme de ação da melhor qualidade, de longe o melhor da série.

Almost...

A música, a verdadeira música nos escolhe”, essa é o início da fala de um famoso crítico musical chamado Lester Bangs (Philip Seymour Hoffman) no filme Quase Famosos. A relação das pessoas com a música é, por si só, algo transcendente. O que nos deixa tão ligados a uma sucessão de sons que nos agradam? A música tem poder.

A história de um jovem de 15 anos – fã de rock´n´roll – que consegue um trabalho na revista Rolling Stone para acompanhar a banda Stillwater pelos Estados Unidos foi baseada nas memórias do próprio diretor, Cameron Crowe. Ele teve uma experiência semelhante quando escrevia para a revista Rolling Stone aos 15 anos de idade para acompanhar a turnê da banda Led Zepelin.

No filme, o garoto se chama Wiliam Miller (brilhantemente vivido por Patrick Fugit) e mora em uma casa na qual sua mãe (Francis McDormand) é do tipo superprotetora. Ela vive com o filho e sente-se totalmente na necessidade de lhe dar extremo amparo (“Não use drogas, não use drogas”). Apesar de, tanto Wiliam quanto sua irmã – que deixará a casa depois de completar 18 anos –, sempre terem ouvido que rock´n´roll é subversivo, música do demônio que só fala em sexo e drogas, eles viraram fãs ávidos do gênero musical.

Wiliam consegue, então, um trabalho na revista de música Rolling Stone para acompanhar a turnê de Stillwater, e é nesse caminho que ele vai conhecer o mundo do rock: mulheres, drogas, verdades, envolvimentos pessoais.

O filme trata muito bem da fronteira entre jornalismo e crítica musical. Alguém que possui certo envolvimento é capaz de escrever de modo isento? Deve haver, necessariamente, distinção entre ser jornalista e ser fã? São algumas questões que o filme propõe e tenta responder.

O momento em que o pequeno Wiliam tem o primeiro contato com a música é magnífico. Ele pega os discos que a irmã lhe deu de presente e começa a tocar lentamente as capas dos discos. Seu olhar é de expectativa, afinal está fazendo algo que não é permitido por sua mãe. E, num olhar de êxtase e sublimação, ele acende uma vela e coloca o rock´n´roll. É assim que ele cresce.
O garoto serve de ligação entre o espectador e a história. Assim, fica fácil de nos identificarmos, tanto pelo seu carisma e simpatia quanto pela sua história de vida e seus sonhos. Torcemos para ele conseguir o que deseja e vamos a seu lado acompanhando atônitos às fases de suas realizações.

A simpática história deixa, ao espectador desavisado, uma estranha ligação de fatos inverossímeis (Garoto adolescente contratado pra trabalhar em uma grande revista? Conta outra...) e improváveis coincidências. Mas grande parte disso é a história real do diretor. Direção que segue empolgando em um ritmo vibrante de mistura entre imagens e a excelente trilha sonora. Afinal, um filme sobre rock´n´roll tem que ter um som apropriado.

Realmente, seja por atuações memoráveis (Francis McDormand, Kate Hudson, Patrick Fugit e o excelente Philip Seymour Hoffman), o roteiro notável (de Cameron Crowe) ou a música bem arranjada (Nancy Wilson), o filme é uma agradável surpresa e vale a pena. E viva o rock´n´roll!

You´ve got the power!

Muito já se discutiu sobre o incrível poder que a imprensa tem. Poder de dar “vida” ou “morte” a personalidades, poder de decidir e de formar opiniões. Com possibilidades amplas de dar versões dos fatos – sobretudo no jornalismo interpretativo -, a mídia é chamada de Quarto Poder. No filme O Quarto Poder, é justamente ao jornalismo que se atribui essa alcunha, ainda que o título original não tenha tido essa função: Mad City seria algo como “cidade louca”.

Dirigido por Costa-Gravas (diretor de Z – pelo qual ganhou um Oscar - e Desaparecido, um Grande Mistério), é a história de um repórter de televisão, Max Brackett (vivido por Dustin Hoffman), que foi rebaixado na rede de TV em que atua depois de um desentendimento com o âncora do jornal. Trabalhando em uma pequena cidade da Califórnia, ele deve fazer uma matéria simples sobre um museu de história natural. É surpreendido quando um segurança demitido, Sam Baily, (John Travolta) vai pedir seu emprego de volta para a diretora do lugar. O ex-segurança está armado e o museu está cheio de crianças. É então que o repórter tenta convencer o homem a lhe dar uma entrevista exclusiva e promete comover a opinião pública com a triste história de Sam.

O filme faz transparecer a seguinte visão da imprensa: tudo por uma matéria, tudo pela exclusividade, custe o que custar. Munidos desse argumento é que vamos presenciar uma manada de repórteres e cinegrafistas prontos a qualquer coisa pelo chamado furo de reportagem. Eles pagam, corrompem, invadem, atacam, desrespeitam e roubam em um jogo desleal em que acontecimentos são manipulados.

O filme faz pensar. O que é a verdade? Será que ela é importante? No filme, vemos que o conceito é mais subjetivo do que poderíamos imaginar.

Sob a ótica da mídia retratada em O Quarto Poder a verdade não é tão importante assim. As visões que os meios de comunicação – e, por extensão, a opinião pública - têm de Sam são extremamente volúveis e oscilam de acordo com os diferentes interesses envolvidos.

Costa-Gravas imprime um ritmo alucinante em todas as partes do filme e o roteiro – de Tom Matthews – tem mais acertos do que erros. O repórter Max Brackett é brilhantemente interpretado por Hoffman, que reproduz a autoconfiança, egocentrismo, insensatez e a falta de escrúpulos. Ele age defendendo seus próprios interesses. É tão manipulador e mau caráter como qualquer outro de seus colegas. Mas por que não o criticamos tanto quanto aos outros jornalistas? Por que, em alguns momentos, torcemos para que Brackett consiga atingir seus objetivos? Talvez porque ele serve de ponte entre nós e a história e também de elo entre Sam e a opinião pública.

O roteiro prega, ainda, uma caricaturização e um exagero que não caem bem à história. As decisões dos jornalistas fogem, em alguns instantes, daquilo que se poderia considerar verossímil. Essa foi uma decisão dos produtores a fim de pintar com tintas grossas o que a imprensa faz, mas talvez a dose não tenha sido bem adequada.

Como um todo, o filme vale a pena. A dupla de atores tem uma química que sustenta a tensão dramática da narrativa – Travolta está em um de seus melhores papéis.

O mérito da obra, enfim, é discutir com profundidade os limites éticos da cobertura jornalística e ensinar que, afinal, o Quarto Poder é, de fato, muito poderoso.

Rir dos outros ou de si mesmo?


O terceiro filme da série Austin Powers é um apanhado geral de tudo o que já foi feito nos dois filmes anteriores, de modo que quase nada venha a acrescentar para o sucesso do espião mais cômico do mundo.

As piadas seguem a mesma tônica daquilo que já se fez e que, em Agente Nada Discreto e Agente ‘Bond’ Cama era inovador. Mas dá para dar risada com gags como nomes de personagens– Kika Cette, Mi Koma -, paródia de outros filmes e o chafariz.

Austin Powers tem que recuperar seu pai, que foi seqüestrado por Dr. Evil – o qual está aliado a Mimi-Mim e a Goldmember. Powers deve capturar seus inimigos antes que eles “dominem o mundo”.

O pai ausente de Austin, interpretado por Dustin Hoffman, é uma boa sacada para parodiar Indiana Jones. O conflito pai-filho e revelações sobre esse relacionamento são característicos em muitas outras produções. A idéia é bem aproveitada no contexto da comédia para a qual Hoffman demonstra, mais uma vez, ser talentoso. Ele demonstra o timing cômico exato, a elegância e charme típicos do pai de Austin Powers.

Outra decisão acertada é mostrar os personagens quando crianças, apesar de a brincadeira com flashbacks tirar o ritmo que a narrativa assume no decorrer do filme.

O ruim da fita é a repetição das piadas já vistas – com exceção talvez da brincadeira com as legendas quando os personagens falam em japonês -, incluindo piadas escatológicas, nojentas e desnecessárias.

Trata-se de um filme fraco, mas que não apaga o sucesso original de Austin Powers, o agente secreto que ainda desperta simpatia.

Myers está produzindo o quarto filme da série. Só espero que seja melhor do que O Homem do Membro de Ouro.

Perfeito pra quem?


Imagine a pessoa que você ama bem do jeito que você quer, sem defeitos, sem coisas que te irritam, perfeitas. A idéia parece atraente? Pois é justamente esse o tema de Mulheres Perfeitas.

Assim que chega em uma nova cidade, após ser demitida do emprego, Joanna (Nicole Kidman) estranha o fato de que todas as esposas obedecem cegamente a seus maridos. Sem nenhum tipo de questionamento, elas fazem tudo o que eles mandam e parecem felizes com isso. Joanna passa a investigar a situação e descobre um plano que tem como objetivo evitar problemas familiares e constituir a família perfeita.

Dirigido por Frank Oz, o filme deixa a pergunta: Ta, mas o que seria um parceiro perfeito? Perfeito para quem? E nesse aspecto o roteiro (de Paul Rudnick, baseado em romance de Ira Levin) provoca indagações interessantes.

Mas o filme não se propõe a ser uma experiência filosófica para pensar a perfeição no âmbito familiar. Trata-se de uma comédia hollywoodiana leve, sem pretensões. Assim, somos levados a uma série de situações superficiais - muitas sem a menor graça – para forçar uma risada aqui e ali.

O elenco, com Nicole Kidman, Glenn Close, Matthew Broderick, Christopher Walken, Jon Lovitz, entre outros, ajuda a tornar Mulheres Perfeitas um pouco mais suportável. De qualquer forma, o filme em si é descartável, tem fórmulas enlatadas e serve para uma sessão da tarde quando não se tiver nada de melhor para fazer. O livro deve ser bem diferente.

Choose life

Cult - filmes que não são sucesso de bilheteria, mas que acabam agregando grande número de fãs devotos após saírem dos cinemas. Geralmente são filmes peculiares, que não estão preocupados com a bilheteria, não seguem as fórmulas pré-concebidas da indústria e se resumem pela originalidade, seja da trilha sonora, do roteiro, da direção ou até da mensagem que os produtores desejaram transmitir.

Esse é o caso de Trainspotting – Sem Limites, de 1996. Baseado no livro homônimo de Irvine Welsh, o enredo gira em torno de jovens drogados de Edimburgo, Escócia, que vivem alucinadamente até que Renton (interpretado por Ewan McGregor, com um sotaque escocês fortíssimo) decide se livrar do vício em heroína.

Trainspotting, que remete a uma brincadeira na qual se tenta adivinhar o próximo trem – mas que cabe perfeitamente como alusão às veias de um braço de um drogado -, começa com uma correria dos protagonistas pela rua da Escócia enquanto Renton faz um discurso sobre a vida que a maioria das pessoas levam – ou tentam levar. Tudo isso ao som crescente de uma trilha sonora pop.

A trilha sonora, a propósito, é um dos grandes protagonistas do filme. É colocada com a intenção de complementar o mundo das personagens ou seus sentimentos. O som agitado contribuiu para o clima MTV que o filme possui em mais da metade da projeção.

Ao relatar um grupo de jovens desesperançados (típica geração anos 90), o diretor Danny Boyle acerta ao dar um ritmo ágil à narrativa. As cenas estão ali muitas vezes para causar repugnância, como no mergulho de Renton em uma privada do “pior banheiro da Escócia”. A montagem e as transições de cena são bastante inventivas, imprimindo o estilo de Boyle. A cena em que Renton entra em um buraco (psicológico) após tomar um baque é característica.

Assim, somos levados a perguntar: por que eles fazem isso? Ora, fica claro que eles se drogam por prazer (“pense no melhor orgasmo que você já teve, multiplique por mil e mesmo assim não chegará nem perto”, afirma Renton logo nos primeiros minutos). Mas, além disso, há um contexto, uma negação aos esquemas bem sucedidos de vida que o mundo impõe, por assim dizer. Trata-se de buscar um outro modo de vida e de felicitação, além do tradicional: família, filhos, almoço de domingo, casa, televisão. Aqueles jovens encontram nas drogas a saída para os problemas e a solução para a monotonia.

Mas tudo o que se planta, um dia irá se colher. E é a colheita que iremos presenciar na última parte da história. Para isso, ninguém melhor que Ewan McGregor, que depois fez outros bons filmes (Moulin Rouge, Peixe Grande), para pôr em evidência um personagem como Renton. Cabeça raspada, magricela, de cara pálida, o ator encarna um drogado que, no fundo, quer se regenerar, mas que virou refém das drogas. (No final, o roteiro deixa alguns pontos inconclusos a respeito da relação Renton-heroína no futuro: cabe-nos imaginar o pode ter acontecido)

Sem mensagens de fé ou moralismos, o filme é aflitivo, perturbador e asfixiante a ponto de nos deixar com a garganta presa durante e ao final da projeção. Mas talvez seja justamente esse o sentimento que as drogas causam e o motivo para o filme ter se tornado tão cultuado.